Pesquisar
Close this search box.
conecte 5g

JOSÉ OTERO: “Os tomadores de decisão em políticas públicas precisam compreender que o desenvolvimento da tecnologia não acontece sozinho”

José Otero é vice-presidente da 5G Americas, organização composta pelos principais provedores e fabricantes de serviços de telecomunicações, cuja missão é defender e promover o avanço da 5G e da 6G em todas as redes, serviços, aplicações e dispositivos conectados do ecossistema nas Américas.

Em entrevista ao Conecte 5G ele falou sobre as principais semelhanças e diferenças no processo de implantação da tecnologia nos diferentes países e cenários do continente americano, com destaque para América Latina.

Para Otero, entre os maiores desafios está a conscientização dos tomadores de decisões em políticas públicas de que o avanço tecnológico não acontece sozinho e existe a necessidade de padronização dos processos de regulamentação para redução da burocracia, além dos fatores macroeconômicos e sociopolíticos. 

O executivo indicou, ainda, que o Brasil lidera o avanço no 5G na América Latina, ao lado de Chile e Uruguai, e apontou os motivos que colocam os três países nessa posição de liderança.

Conecte 5G: Como você avalia o avanço da tecnologia 5G no continente americano em comparação a outros continentes? Quais são os principais desafios e oportunidades enfrentados na região?

José Otero | 5G Américas

O principal desafio é que os tomadores de decisão em políticas públicas compreendam que o desenvolvimento da tecnologia não acontece sozinho. Muitas variáveis estão dificultando continuamente o desenvolvimento em telecom, como por exemplo, agora mesmo, o impacto da perspectiva macroeconômica, que não aconteceu com a 4G, aconteceu com a 3G. Então, já temos um contexto macroeconômico que não é favorável para o desenvolvimento rápido e para a adoção da 5G pelas pessoas.

Outro ponto é que ainda estamos saindo dos problemas que foram criados por uma pandemia global que atrasou totalmente o desenvolvimento tecnológico por muitos anos, além de um conflito internacional tecnológico entre os países ocidentais e a China. Esse conflito atinge diretamente a produção de chips e, sem chips, você não pode fabricar e fornecer aparelhos que possam se conectar  ao  5G. Então você tem uma quantidade limitada de microprocessadores, o que leva os fornecedores a utilizarem os poucos processadores que têm para fabricar aparelhos mais caros e isso torna o processo de redução do preço dos dispositivos que as pessoas utilizam mais lento.

Sendo assim, temos muitas variáveis negativas empatando o desenvolvimento da 5G. Se compararmos com outras tecnologias como a 4G, por exemplo, temos um crescimento muito mais rápido, mas precisamos começar a considerar que os aparelhos  não estão conectando pessoas e, para conectar essas pessoas, ainda falta muito desenvolvimento nas Américas. Se desconsiderarmos Estados Unidos e Canadá, na América Latina você tem mais de 35 redes comerciais de 5G. Brasil, Chile, Porto Rico e um pouquinho o México são os países que estão fazendo investimentos agressivos para expansão constante da 5G em todas as partes de seus territórios. Já na Colômbia, por exemplo, você tem menos de 50 antenas de 5G, sendo 90% de apenas um operador.

Temos também os desafios tradicionais, como o de alocação de espectro que, vale lembrar, não é um desafio no Brasil já que está muito mais avançado que todo o resto da América Latina nessa questão. Mas imagina só: o Brasil tem alocados mais de 2.500 megahertz (MHz) em seu espectro total, enquanto o Panamá tem 250 MHz. Muitos países da América Central têm menos de 350 MHz, então é um grande desafio essa alocação de espectro para diversos países da região.

Outro grande desafio é a regulamentação. Muitos países da América Latina ainda possuem a mesma regulação que foi criada para liberalizar o mercado de telecomunicações, um arcabouço normativo que data da década de 90 quando o mercado era totalmente analógico. Então, temos um mercado que não sabe como responder à inovação tecnológica e, atualmente, é preciso saber como atender o que acontece com o impacto da inteligência artificial, da realidade virtual, do blockchain, etc. 

Conecte 5G: Considerando países vizinhos ao Brasil, como Argentina e Chile, qual é a situação atual da implementação do 5G e quais os principais pontos em comum e diferenças em relação ao progresso observado no Brasil?

José Otero | 5G Américas

No Cone Sul, temos duas realidades. Por um lado temos Brasil, Chile e Uruguai com uma expansão rápida da 5G e alocação em bandas altas e milimétricas, além de Porto Rico que também têm atuado na alocação de bandas milimétricas. Por outro lado, temos a Argentina que está atravessando um dos piores momentos econômicos, com hiperinflação, um pouco de instabilidade política com o novo governo de (Javier) Milei e a forte oposição dos peronistas. A última alocação de espectro aconteceu em novembro de 2023, mas com todo esse cenário, o baixo poder de compra dos usuários argentinos e a limitação para importação de aparelhos habilitados para trabalhar com a 5G, o avanço da tecnologia no país é muito limitado. Não vamos ver, por enquanto, um grande esforço das operadoras argentinas para expandir a rede 5G porque seus assinantes não têm aparelhos que podem se conectar às redes. 

Por isso , se por um lado você tem Brasil, Chile e Uruguai liderando o avanço da 5G na América Latina, por outro tem a Argentina atravessando uma situação muito difícil comparável ao que aconteceu 20 anos atrás por lá. 

Conecte 5G: A atualização da legislação nos municípios brasileiros e a adoção de processos de licenciamento ágeis são pontos fundamentais para o avanço do 5G no país, correto? Qual o impacto na expansão do 5G no Brasil nos municípios que não possuem legislação adequada?

José Otero | 5G Américas

Esse é um problema de toda a América, não só do Brasil ou da América Latina. Você tem problemas semelhantes nos Estados Unidos e Canadá também. Eu acredito que Curaçao é o único país das Américas que não sofre com isso.

O resultado desse problema de regulamentação é o aumento da burocracia, porque o Brasil, por exemplo, tem mais de cinco mil municípios e cada um deles pode pedir uma documentação distinta aos operadores. Outro ponto sensível é analisar os recursos disponíveis em cada município. A realidade de um município de Minas Gerais, Bahia ou São Paulo é diferente de um município localizado no meio da Amazônia. Enquanto um município de São Paulo tem muitas pessoas para construir ou instalar uma nova torre e é possível contar com uma pessoa dedicada para o processo de aprovação, na Amazônia os municípios geralmente contam com uma única pessoa responsável pela logística, energia, vendas, telecomunicações e, muitas vezes, esse funcionário está há meses com o salário atrasado. Essa é uma realidade que resulta em atraso, pois as operadoras não conseguem cumprir os requisitos das licenças que adquiriram por processo de alocação o que pode resultar em multa. 

Por isso, a orientação da 5G Américas é sempre tentar harmonizar o máximo possível os requisitos entre os municípios para fazer um só processo para minimizar os custos, porque os atrasos geram maiores custos que as operadoras tendem a repassar aos usuários. Então, o melhor caminho para todos os atores do mercado é harmonizar o processo e reduzir a burocracia para acelerar as aprovações sempre que os pedidos estiverem de acordo com a legislação. 

Conecte 5G: Como a 5G Américas está colaborando com governos, empresas e outras entidades para promover a adoção e implementação bem-sucedida do 5G na região? Quais são as estratégias-chave para acelerar esse processo e garantir a evolução tecnológica e inclusiva não apenas nas economias, mas nas sociedades do continente americano?

José Otero | 5G Américas

A missão da 5G Americas é mais pedagógica. Nós tentamos educar e prover informação a todos os atores do ecossistema de telecomunicações da América Latina.

Sempre estamos contribuindo com relatórios do mercado, apresentando comparativos e também convidando os maiores players da América Latina, de governos e muitos analistas para que eles falem abertamente aos interessados sobre o que está acontecendo na região, os principais desafios. Além disso, fazemos treinamentos para funcionários de governo e jornalistas para que entendam termos e conceitos relacionados às telecomunicações. Por exemplo, há cerca de duas semanas, eu fiz um treinamento para jornalistas explicando a dinâmica das telecomunicações globais quanto aos níveis. Temos três níveis de regulação e cada país tem que seguir esses níveis para poder tomar decisões na parte da tecnológica para posicionar o que pode ser oferecido comercialmente. O intuito é colaborar para que os jornalistas compreendam melhor o setor e quando estiverem fazendo a cobertura entendam do que estão falando. A mesma coisa nós fazemos com os governos para manter os agentes atualizados do que está acontecendo no mundo. Fazemos muitas apresentações comparativas entre a realidade da América Latina, Unidos e Europa para ajudar nas análises.

Outra ação que realizamos é responder às consultas públicas dos diferentes países e, aqui, respondemos apenas a parte técnica. Nunca dizemos o que os governos devem fazer. Nosso trabalho é explicar que é preciso no mercado para que, quando a tecnologia seja incluída, ela possa ter um desempenho satisfatório. O intuito também é educar o mercado para entender porque a tecnologia é necessária e quando é o melhor momento para incorporá-la, porque não é só porque se tem uma nova tecnologia que significa que você precisa colocá-la imediatamente no mercado. 

Conecte 5G: O 5G oferece um amplo potencial para revolucionar diversas áreas da economia, desde a indústria e agricultura,  passando por mobilidade e segurança até a saúde e a educação. Na sua visão, quais são os principais benefícios do 5G para as diversas verticais da economia no contexto das Américas?

José Otero | 5G Américas

A 5G é a primeira conexão móvel que não foi criada para beneficiar diretamente as pessoas. Ela foi criada para beneficiar as empresas com a possibilidade de suportar um milhão de aparelhos conectados por quilômetro quadrado. Essa é uma das características da 5G que, eventualmente, vai resultar numa redução de 80% do custo de transmissão de dados. A consequência disso não é menor porque todas as aplicações utilizam dados se tornam muito mais baratas e aqui estamos falando de inteligência artificial, realidade virtual, hologramas, blockchain, analítica que parte de machine learning, a macro computing, entre outras tecnologias. Então, vamos começar a ter outros benefícios, diretos e indiretos, para as pessoas porque muitas empresas não tradicionais vão poder entrar no mercado para melhorar a oferta para seus clientes, integrando essas e outras tecnologias. Esse é o grande benefício da 5G. 

Dessa forma , o que podem fazer os governos? Por exemplo, parcerias com universidades e centros de pesquisa, o que já acontece no Brasil, para impulsionar o desenvolvimento em 5G para encontrar soluções que utilizem a 5G para solucionar problemas locais, regionais e nacionais. Essas parcerias já ocorrem no Brasil, mas ainda não acontecem no restante da América Latina. 

Agora, o que eu sempre busco destacar é que a responsabilidade dos operadores de telecomunicações é  oferecer a plataforma de 5G, mas os aplicativos e soluções não são responsabilidade do operador. Isso tem que vir de investimentos de outras entidades privadas e públicas, inclusive porque a 5G, com essa possibilidade de redução de custos, poderia viabilizar aplicações inovadoras para os governos. Vamos falar, por exemplo, do tema de territórios e cidades inteligentes. Essa tecnologia possibilita construir desenhos urbanos com hologramas para ter uma nova visão do que seria a cidade no futuro, avaliar o impacto de novas construções na organização urbanística. Essa é uma possibilidade viável com  5G, além de tantas outras baseadas em gamificação e realidade virtual, assim como bem mais adiante a realização de processos cirúrgicos remotos que atualmente são muito caros. Já é possível realizar um processo cirúrgico remoto com  4G, o primeiro do mundo aconteceu em 2012. O que acontece é que são necessárias duas unidades de um equipamento cujo preço mais barato é meio milhão de dólares. Agora, tudo isso já é possível nas principais cidades do Brasil e da América Latina, mas para levar esses avanços para as áreas mais remotas ainda é uma questão econômica, não de tecnologia. 

Fale conosco!